Livros começam a ferver
| | Ainda sem título em português, o novo "Harry Potter" é uma das edições mais aguardadas da 'rentrée' literária |
Sérgio Almeida
A nova temporada editorial tem um vencedor antecipado à partida. Se tudo se reduz a uma questão de números e cifrões, como parece ser cada vez mais claro, o sétimo e último (?) capítulo da saga que valeu a J K Rowling o estatuto de mulher mais rica do Reino Unido deverá liderar a tabela de vendas nacional a partir da segunda quinzena de Outubro, menos de três meses depois da edição em língua inglesa.
Os pormenores exactos do lançamento continuam rodeados de elevado secretismo, desconhecendo-se ainda qual será o título adoptado ( "Harry Potter and the deathly hallows" no original) ou a tiragem inicial. Pela expectativa que rodeia o aparente final das aventuras do pequeno feiticeiro, é provável que a Editorial Presença suplante o recorde de 100 mil exemplares iniciais das derradeiras edições, aproximando-se da fasquia do milhão e meio de livros vendidos em território português.
Apetite pelas biografias
Por muito mediatismo que venha a concentrar, o livro de Rowling é apenas uma das milhares de novidades que vão disputar as atenções dos leitores. Cada vez mais, a 'rentrée' assume-se como o período decisivo do meio editorial, um pouco à semelhança do que acontece no cinema com o período pós-Oscars, durante o qual em pouco mais de um mês são exibidas as principais apostas para o resto do ano.
A oferta disponível é considerada excessiva pelos próprios editores, mas o cenário repete-se edições atrás de edições confinadas a um período de vida comercial (ou seja, permanência nas livrarias) cada vez mais reduzido, pois a voragem de publicações obriga a que os livros menos vendáveis dêem lugar às novidades.
Da impressionante listagem de obras a publicar, há conclusões óbvias a tirar. O arrefecimento da moda dos romances históricos, explorados quase até à náusea nos últimos quatro anos por força do fenómeno sem paralelo de "O código Da Vinci", é agora uma certeza, que, todavia, pode muito bem ser transitória, já que Dan Brown tem vindo a anunciar há mais de dois anos o seu próximo livro...
O protagonismo crescente do género biográfico é confirmado na presente 'rentrée', aproximando o mercado português das tendências generalizadas dos principais mercados europeus, nos quais os livros de pendor memorialístico se encontram invariavelmente em lugares cimeiros do top. A figura controversa de Salazar volta a estar na mira dos investigadores. Desta feita, é Joaquim Vieira que relata a convivência, ao longo de 35 anos, de Maria da Conceição Rita com o ditador de Santa Comba Dão.
Personalidades cimeiras como Nelson Mandela, Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir protagonizam algumas das inúmeras biografias previstas, mas também não faltam livros sobre figuras da vida pública nacional, como o 'motard' Paulo Marques ou o cantor de música ligeira José Alberto Reis.
Uma das tendências dos anos recentes confirmada pela nova temporada editorial é o hiato temporal cada vez menor entre a publicação na língua original e a edição no nosso país. É certo que os três meses que medeiam a edição original de "Harry Potter" e a chegada às livrarias portuguesas constitui um recorde, mas não faltam exemplos, de Paul Auster a Joanne Harris, de autores estrangeiros que vêem os seus mais recentes livres serem lançados em Portugal poucos meses depois do lançamento no seu país de origem.
A política consensual de edição dos principais autores do catálogo no derradeiro trimestre do ano tem excepções, a mais notória das quais será a de José Saramago. O peso editorial do romancista 'exilado' em Lanzarote é tal que pode dar-se ao luxo, como normalmente sucede, de lançar um livro em Fevereiro - tradicional época baixa - sem que as vendas sejam afectadas.
Prémios contam muito
Nem só de novidades vive, apesar de tudo, o mercado. Se Ian McEwan vir confirmado o favoritismo que lhe atribuem as casas de apostas e vencer a edição deste ano do Booker Prize, a anunciar a 6 de Outubro, é provável que o seu mais recente romance, "Na praia de Chesil", publicado em Maio pela Gradiva, regresse em força às tabelas de vendas, usufruindo da atenção mediática suplementar. O mesmo se aplica ao (ainda) desconhecido escritor paquistanês Moshin Hamid, cujo notável romance "O fundamentalista relutante", publicado pela Civilização, se encontra também na 'short-list' do mais importante prémio literário em língua inglesa.
Outro exemplo paradigmático é o anúncio do vencedor do Nobel da Literatura, em Outubro. A experiência dos anos recentes, de JM Coetzee a Orhan Pamuk (o seu mais recente livro, "O meu nome é vermelho", chega agora pela Presença), diz-nos que a escolha da Academia Sueca se traduz invariavelmente numa presença obrigatória do top nas semanas seguintes, mesmo tratando-se de edições lançadas há meses.
Novas propostas de pesos-pesados"
António Lobo Antunes, Mia Couto, Agustina Bessa-Luís, Lídia Jorge Gunter Grass, Gore Vidal, Paul Auster, Rubem Fonseca... O rol de pesos-pesados que deverão ver os seus novos títulos chegar às livrarias nas próximas semanas é quase inesgotável e está longe de representar uma simples coincidência temporal. A pensar na época natalícia, pico tradicional de vendas por excelência, as editoras planeiam para a 'rentrée' as suas principais apostas, mas, por entre tantas novidades, acabam por dificultar a escolha dos potenciais leitores, já que, por entre tamanha abundância da oferta, passam despercebidos títulos válidos que gozariam de maior exposição se o lançamento ocorresse numa altura menos concorrencial.
A lista de novidades previstas para as próximas semanas poderia ser ainda mais imponente caso a Editorial Caminho, recentemente adquirida pelo empresário Miguel Paes do Amaral, publicasse o próximo romance de José Saramago, já concluído, mas que só deverá ser lançado em 2008.
Sem o aguardado livro do Nobel português, as atenções literárias nacionais centram-se em "O meu nome é legião", o 22º romance de António Lobo Antunes, com data de saída prevista já para Outubro. Adoptando a linguagem de um relatório policial, o autor de "Memória de elefante" narra o quotidiano de um bando de uma zona a que chama simplesmente de "bairro" e que tanto pode evocar áreas como Chelas como a Pedreira dos Húngaros. A análise com contornos de psicanálise do submundo nacional volta a ser a temática preferencial do singular narrador.
Presença segura nas tabelas de vendas até final do ano deverá ser também "Metamorfoses", um texto inédito que Agustina Bessa-Luís vai publicar na Dom Quixote, com ilustrações de outro nome consagrado da cultura portuguesa, Graça Morais. A nova temporada reserva ainda edições apostadas em esbater a imagem tradicional associada a alguns autores. É o caso da primeira incursão de Lídia Jorge pelo território da literatura infanto-juvenil ou o regresso de Mia Couto à poesia, o género literário em que se estreou na publicação, há mais de duas décadas.
Aguardam-se também novidades de alguns dos autores estrangeiros mais populares entre nós, como Joanne Harris ("Sapatos de rebuçado") ou Sveva Casati Modignani ("Lição de Tango"). Ainda na Asa, Paul Auster vê chegar às livrarias o seu novo romance "Viagens no scriptorium", bem como "A vida interior de Martin Frost", recentemente adaptado ao cinema.
Outubro será também o mês do lançamento da muito polémica autobiografia de Gunter Grass, na qual revela a sua passagem, durante a sua juventude, pelo contingente das SS nazis. SA
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